segunda-feira, 14 de abril de 2014

Sentença Iluminação Pública da Ferradura - 1ª instância


Processo: 0007427-57.2010.8.19.0078 
Classe/Assunto: Procedimento Sumário - Obrigação Acessória / Obrigação Tributária, ( OBRIGAÇAO DE FAZER) 
Autor: ASSOCIAÇAO DE MORADORES E CASEIROS DO BAIRRO DA FERRADURA( A MOCA) 
Réu: AMPLA ENERGIA E SERVIÇOS S.A 
___________________________________________________________ 
Nesta data, faço os autos conclusos ao MM. Dr. Juiz 
Marcelo Alberto Chaves Villas 
Em 10/09/2013 
Sentença 
Trata-se de ação de procedimento comum, de rito ordinário, com pedido de obrigação de fazer, que foi proposta pela ASSOCIAÇÃO DE MORADORES E CASEIROS DO BAIRRO DA FERRADURA em face de AMPLA ENERGIA E SERVIÇOS S.A. E PREFEITURA MUNICIPAL DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS. 
A exordial consta de fls. 02/04, na qual a demandante, exercendo legitimidade extraordinária, aduz que o contrato de concessão de serviço de iluminação pública entre a municipalidade e a concessionária de distribuição de energia elétrica é deficiente no bairro da Ferradura nesta cidade, anexando mapa desse bairro, no qual ainda aponta que em diversos logradouros: há 29 postes sem lâmpadas, 55 postes sem "braço" e vias sem qualquer poste, que estão destacadas com cor laranja. 
O mapa acima referenciado consta de fl. 14. 
Argumenta ainda a Associação litigante que a Emenda Constitucional n° 39/2002, acrescentou o artigo 149-A a Constituição Federal, autorizando Municípios e o Distrito Federal instituírem contribuição, na forma das respectivas leis tributárias, para custeio do serviço de iluminação pública, desde que observados os princípios tributários explícitos da legalidade e da anterioridade. A demandante também explicita que o Poder Concedente, in casu, delegou a concessionária de distribuição de energia elétrica poderes para apuração e cobrança do tributo concomitantemente com a cobrança da tarifa do serviço de fornecimento individual de energia elétrica, o que comprova através da conta de luz de um consumidor de fl. 15. 
O juízo na decisão de fl. 22 indeferiu a petição inicial em relação ao 2° réu, reputando que o fornecimento de energia elétrica é oferecido e prestado pela 1ª demandada. Determinando ainda a citação da segunda demandada e obtemperando que com a resposta, analisaria o pedido de antecipação dos efeitos da tutela. 
A contestação da ré consta de fls. 27/34, na qual argui preliminar de ilegitimidade passiva, salientando ser mera arrecadadora do tributo, ressaltando que a relação jurídico-tributária se dá entre o Poder Público e os contribuintes.

O juízo à fl. 38 v. indeferiu a antecipação dos efeitos da tutela. 
Realizada audiência de conciliação, não houve acordo. 
Instada ainda às partes no despacho de fl. 38v. a aduzirem se tinham outras provas a produzir, ambas se reportaram aos elementos integrantes dos autos. 
Por se tratar ainda de pretensão a ser realizada em logradouros públicos, o juízo inspecionou locais no bairro da Ferradura conjuntamente com oficial de justiça, para verificar a veracidade dos fatos narrados pela demandante, sendo que para a realização de tal diligência, despicienda a convocação das partes. 
É o relatório. 
FUNDAMENTAÇÃO: 
A priori, quanto à análise da legitimidade da autora, insta asseverar que o artigo 81, parágrafo único, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor, estatuto este traduzido em uma sobre-estrutura jurídica multidisciplinar que trespassa por diversos ramos do Direito Pátrio, autoriza a defesa dos interesses e direitos coletivos de consumidores, assim entendidos os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligas entre si ou a parte contrária por uma relação jurídica base. 
Destarte, como fora obtemperado pela ré que a relação jurídica em voga seria, em verdade, de natureza tributária, da qual estaria excluída, não é demasiado asseverar que os usuários de serviços públicos detêm também a proteção conferida pela Lei n° 8.078/90, conforme prevê o seu artigo 6°, inciso X, ao qual dispõe que são direitos básicos do consumidor a adequada e eficaz prestação de serviços públicos em geral, nele incluídos também sob pena de deficiência de proteção os serviços uti universi, como os de iluminação pública pelos quais hodiernamente os entes municipais celebram convênios com concessionários de serviços de distribuição de energia elétrica para instalação e ampliação da rede elétrica em logradouros públicos como escopo de alocação de postes de luz. Sendo certo que os aludidos convênios celebrados com tais concessionárias não se resumem apenas na apuração e cobrança da novel contribuição de iluminação pública, para o custeio do serviço de iluminação em logradouros públicos. 
Nesta esteira, para a defesa dos direitos e interesses protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela, cabendo, portanto, a presente ação coletiva com pedido cominatório para a adequação escorreita de serviços públicos que se apresentem de modo deficitário. 
Em prosseguimento, para a análise da questão preliminar arguida pela ré atinente a sua suposta ilegitimidade passiva ad causam, sem embargo de que, a prima facie, o processo poderia muito bem ter se desenvolvido com a presença do ente municipal, não sendo a hipótese, contudo, de litisconsórcio necessário por não se vislumbrar a incindibilidade a relação jurídica ora defendida, cumprirá ao juízo examinar de modo pormenorizado a natureza da relação jurídica em voga que insere a cobrança de contribuição de iluminação pública. 
Na tradição constitucional brasileira, o serviço de iluminação pública, dado ao seu caráter local, foi atribuído aos entes públicos municipais, consubstanciada em prestação a uma coletividade, sendo, portanto, indeterminável e insuscetível de individualização. O artigo 30, inciso V, da Constituição Federal compete aos municípios organizarem e prestarem, diretamente ou sob o regime de concessão e permissão, os serviços públicos de interesse local, que tenham caráter essencial, como os serviços de iluminação em logradouros públicos. 
Hodiernamente, o custeio desse importante serviço municipal se dá, no atual regime, por meio da vetusta Contribuição de Iluminação Pública, cuja previsão no texto constitucional decorreu do advento da Emenda Constitucional n.º 39, de 20 de dezembro de 2002. Essa emenda, que acrescentou ao texto constitucional originário o artigo 149-A e seu respectivo parágrafo único, permitiu a cobrança de referido tributo nas faturas de consumo de energia elétrica. 
O permissivo contido no parágrafo único de referida norma constitucional facilitou que as municipalidades exercitassem a sua competência tributária em relação àquela exação, permitindo a delegação tributária da cobrança pelas concessionárias da União, responsáveis pela distribuição de energia elétrica, o que estimulou aos Municípios firmarem convênios com as concessionárias de distribuição de energia elétrica, com escopo da cobrança e arrecadação do recém-criado tributo. Assim, as distribuidoras de energia elétrica passaram a embutir nas faturas a respectiva cobrança do tributo ao contribuinte, concomitantemente com a cobrança do consumo de energia individual do consumidor. 
Não é demasiado asseverar que tal inovação tributária trazida pelo poder constituinte derivado incentivou para que os órgãos de defesa do consumidor - notadamente o PROCON, Ministério Público e associações de consumidores -, questionassem em juízo tal cobrança, reputando-a ilegal porque infringente das normas que estatuem o sistema de proteção do consumidor, considerando-a prática abusiva. 
Importante, então, frisar que dantes do advento da Emenda Constitucional nº 39, de 20 de dezembro de 2002, o custeio da iluminação pública era angariado por intermédio da vetusta taxa de iluminação pública. Tratava-se, portanto, de espécie tributária de competência comum para todos os entes da federação, que se assentava no artigo 145, inciso I, da Constituição Federal e no artigo 77 da Lei n.º 5.172/65 (Código Tributário Nacional), cujo fato gerador advém da contraprestação de um serviço público, não obstante, por exigência constitucional e legal a hipótese de incidência tributária decorreria de uma contraprestação de um serviço público específico e divisível, a saber, pela utilização efetiva ou potencial de tais serviços. 
Não obstante, como já asseverado acima, a iluminação pública é um serviço geral e, por isso mesmo, inespecífico e insuscetível de individualização para efeito de contraprestação do serviço público efetivamente prestado ou potencial. Logo, a ilação que exsurgia de tal premissa era de que tal serviço não poderia ser remunerado por taxa. Devido, então, a evidente inconsistência jurídica, tal exação logo passou a ser questionada em juízo, tendo grassado, em pouco tempo, inúmeras decisões favoráveis à declaração de sua inconstitucionalidade, chegando, ao final, o assunto ao Supremo Tribunal Federal, e este colendo Tribunal, cumprindo seu mister, em reiteradas decisões sistematizou posicionamento no sentido da inconstitucionalidade da taxa de iluminação pública, até que, finalmente, em outubro 2003, editou a Súmula n.º 670, segundo a qual "o serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa". 
Em consequência, foi nesse contexto que a Contribuição para o Custeio da Iluminação Pública foi positivada no Sistema Constitucional Tributário através da Emenda Constitucional nº 39, de 19 de dezembro de 2002, que adicionou ao texto constitucional o art. 149-A. Diante disso, a contribuição para custeio da iluminação pública passou a integrar o rol das espécies tributárias e, como tal, vem cumprindo, desde então, a sua função primordial: amealhar recursos para os cofres das municipalidades. É oportuna, então, a transcrição do artigo 149-A, da Constituição Federal, verbis: "Art. 149-A. Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III. Parágrafo único: É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica.". 
Curioso, com todas as vênias, que tal espécie tributária seja absolutamente sui generis, pois as espécies tributárias de acordo com o Código Tributário Nacional se consubstanciam em impostos, taxas e contribuições de melhoria, podendo ser instituídos por quaisquer dos entes da federação nos termos da Constituição Federal, sendo certo que a União pode ainda criar impostos extraordinários, como no caso de guerra externa, e impostos não previstos no artigo 153 da Constituição Federal, e desde que não sejam cumulativos com outros impostos e nem tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados na Carta Constitucional. Ademais, nos moldes da Constituição Federal somente a União poderá criar contribuições sociais ou contribuições de intervenção no domínio econômico. 
Nesta esteira, se adotar-se o entendimento do Tributarista Sacha Calmon que insiste no conceito tripartite dos tributos em impostos, taxas e contribuições de melhoria, olvidando-se a teoria quinquipartite dos tributos, sendo as contribuições sociais e as exações parafiscais ora reputados com a natureza jurídica de impostos, ora com a natureza jurídica de taxas, sopesando-se que o nomem iuris não extrai a real natureza jurídica da exação, pois "Il y a du nom, il y a de chose". Qual seria, então, a categoria da contribuição para custeio da iluminação pública, de competência tributária de instituição dos municípios e do distrito federal, pois se não se trata de uma taxa, em qual categoria de espécie tributária tal contribuição subsumir-se-ia? Por certo na categoria de impostos também não se enquadraria, uma vez que os impostos são tributos não vinculados, podendo se dizer o mesmo em relação às contribuições de melhoria, que são decorrentes de obras públicas, não podendo a iluminação pública, per si só, como um serviço essencial, inclusive para a escorreita prestação da segurança pública, ser inserta nessa categoria. 
Desse modo, não é demasiado elucubrar-se que a novel Contribuição para Custeio da Iluminação Pública, com competência de instituição pelos municípios e Distrito Federal, traduza-se em uma inovação tributária, podendo até se questionar da constitucionalidade de tal exação que antagoniza com todo o modelo sistêmico constitucional para instituição de tributos. Em prosseguimento, ocorre que primeiramente para o custeio de atividade estatal ordinária é vedada instituição de contribuição social, e isso se respalda em diversos motivos. 
Assim, a natureza jurídica da indigitada Contribuição para Custeio da Iluminação Pública assemelha-se muito a uma contribuição social; assim, para a instituição de contribuição social requerer-se-á, qualquer que seja a sua finalidade: uma destinação específica dos recursos arrecadados para perfazer, então, ao financiamento de despesas extraordinárias que o Estado deva suportar. Depreende-se, com corolário lógico dessa assertiva, que a função das contribuições sociais, em face da vigente Constituição, decididamente, não é a de suprir o Tesouro Nacional de recursos financeiros. Neste sentido pode se dizer que tais contribuições têm função parafiscal, e algumas outras têm natureza extrafiscal. 
Uma vez que se constituem os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, a serem perseguidos por todos os entes federados, garantir-se o desenvolvimento nacional e promover-se o bem de todos, é intrínseco e inquestionável que isso se faça com os próprios meios que lhes são assegurados constitucionalmente, in casu, os recursos provenientes de tributos ordinariamente arrecadados, a saber, de receitas derivadas. Ademais, o artigo 175, da Constituição Federal, prevê que incumbe ao Poder Público, na forma da lei, a prestação direta ou indireta de serviços públicos. Os serviços públicos prestados diretamente pelo Estado devem, indistintamente, ser financiados por recursos oriundos de dotação orçamentária, que dispõem os entes da federação dos impostos que instituíram e regularmente arrecadam, ou contra o pagamento de taxas pela utilização efetiva de serviços, ou postos à disposição do contribuinte. Ademais, o artigo 175, da Constituição Federal, prevê que incumbe ao Poder Público, na forma da lei, a prestação direta ou indireta de serviços públicos. Os serviços públicos prestados diretamente pelo Estado devem, indistintamente, ser financiados por recursos oriundos de dotação orçamentária, que dispõem os Entes da Federação dos impostos que instituíram e regularmente arrecadam, ou contra o pagamento de taxas pela utilização efetiva de serviços, ou postos à disposição do contribuinte, sendo inusitado que o poder constituinte originário criasse, então, tal contribuição sui generis, anuindo equivocadamente com a ambição do Poder Executivo pela ampliação da pesada carga tributária já imposta aos brasileiros. 
Não bastando todas as assertivas acima acerca da perplexidade da constitucionalidade da novel contribuição trazida pelo poder constituinte derivado, o artigo 182 da Constituição Federal prevê que a política de desenvolvimento urbano tem sua meta direcionada à função social da cidade, e à garantia do bem estar de seus habitantes. Obviamente, quis com isso estabelecer o desenvolvimento auto-sustentável dos municípios brasileiros por meio de sua própria arrecadação, sendo essa a devida hermenêutica constitucional, ao passo que a novel previsão constitucional para instituição de contribuição social para o financiamento de serviços públicos é ato flagrantemente inconstitucional, pois além de respaldar e sufragar a irresponsabilidade fiscal e administrativa dos municípios, que tendem a transferir o ônus financeiro da execução de política que lhes é própria e obrigatória, emerge como uma antinomia inconciliável com todo o modelo sistêmico adotado pela Carta Magna para a instituição de tributos e arrecadação de receitas derivadas pelo Estado. Logo, conclui-se que políticas públicas municipais deveriam ser financiadas exclusivamente pelas receitas previstas no orçamento municipal anual, formado pela arrecadação de tributos cabíveis aos respectivos entes federados, quando instituíram o IPTU e o ISS em seus territórios, assomados das transferências de recursos pela União e pelo Estado da Federação de qual façam parte, não havendo cabimento para a instituição de nova exação, cuja destinação seja um serviço público a ser obrigatoriamente prestado. 
Assim, quanto à constitucionalidade da Contribuição para Custeio de Iluminação Pública, ante a uma análise perfunctória dos princípios informadores que circundam a exigibilidade de qualquer tributo deixa de respeitar o princípio da estrita legalidade em matéria tributária, tendo sido criado uma contribuição com nítidos contornos de um imposto, entretanto, com vinculação legal ao custeio de um serviço público universal que deve ser prestado por municípios e pelo Distrito Federal, a saber, para o custeio de atividade estatal ordinária. 
Não é o objetivo dessa demanda coletiva o não pagamento da exação de constitucionalidade duvidosa, como nem se pleiteia neste processo, o juízo analise incidenter tantum a constitucionalidade da norma que criou essa nova exação, todavia, as questões cruciais acima elencadas são circundantes e importantes para que se tenha a completa compreensão da pertinência subjetiva dessa demanda, vez que a ré argui que a relação em voga seria apenas de caráter tributário, apresentando-se como mera delegatária tributária da municipalidade para a cobrança da vetusta contribuição para custeio de atividade estatal ordinária. 
Pois bem, apesar das discussões que acima foram tecidas, com a indigitada edição da Emenda Constitucional n° 39 que acrescentou o artigo 149-A ao texto constitucional tem-se, obviamente, por constitucionalizada a fonte de custeio dos serviços de iluminação pública, que é de inquestionável caráter tributário. Indubitável, portanto, que aquele permissivo traz em si um pragmatismo que, do ponto de vista da arrecadação tributária municipal, revela-se indispensável para a consecução da receita financeira advinda daquela contribuição - e, porque não, de seu próprio desiderato. Em função da novel norma é, então, que através dos competentes convênios com as concessionárias de distribuição de energia elétrica, os municípios viabilizaram a cobrança e arrecadação da exação nas faturas de consumo energético do consumidor, podendo ser perscrutado dos aludidos convênios a eventual pertinência subjetiva que ora é objetada. 
Com efeito, o arcabouço jurídico-tributário da Contribuição para Custeio da Iluminação Pública - a partir das normas constitucionais acima explicitadas - sugere uma relação jurídico-tributária (município - sujeito ativo/ contribuinte - sujeito passivo) e outra relação jurídico-contratual (município com a concessionária de distribuição de energia), que perpassa, contudo, pelo auxílio prestado à municipalidade pela concessionária para execução do serviço universal, de caráter inespecífico e indivisível, atinente a iluminação pública. Além de poder ainda se identificar outra relação jurídica, de caráter eminentemente consumerista (concessionária/consumidor), que concerne à cobrança da tarifa de energia. Deveras, a compreensão destas três relações jurídicas é fundamental para uma análise menos tendenciosa das objeções ora perpetrada pela concessionária, a fim de que se transcenda a ótica meramente tributária. Assim, além das três relações mencionadas, também não se pode desconhecer a outra, a de cunho administrativo e financeiro, advindo, ao término de todo o processo arrecadatório, quando então repercute no âmbito das finanças municipais para a realização dos desideratos daquele ente federativo, especialmente no que atine à prestação do serviço de iluminação e segurança públicas. 
Consequentemente, do ponto de vista meramente consumerista, infligisse ainda maior dano ao consumidor, pela cobrança concomitante da tarifa com a exação ora criada de caráter sui generis, prática até que pode ser reputada como abusiva, entrementes, da relação administrativa entre o município e a concessionária, e da relação administrativa entre arrecadador/concessionária e consumidor/contribuinte, mesmo na qualidade de delegatário tributário, há que se perquirir se tais relações não subsidiam o entendimento de que a concessionária também poderia vir a ser demandada por obrigação de fazer relativa à prestação de serviço público universal. 
Ora, o convênio celebrado entre o Município de Armação dos Búzios e a concessionária da União de serviço público de distribuição de energia elétrica, notoriamente, não é apenas para a cobrança da indigitada Contribuição para Custeio de Iluminação Pública, pois para o desiderato da prestação do serviço de iluminação pública pela alocação de rede elétrica e postes de luz, a municipalidade vale-se dos serviços prestados pela mesma conveniada. Não é sem razão que hodiernamente existe Convênio celebrado entre a empresa Ampla e a municipalidade no que tange a iluminação pública denominado de "Cidade Inteligente Búzios". 
Assim, se os recursos arrecadados com o pagamento da discutida exação para o custeio da iluminação pública são repassados por convênio para a própria arrecadadora para que ela execute, em nome do Poder Público, a alocação de postes de iluminação em logradouros públicos, transcende-se, ou não, a mera relação jurídico-tributária, para que o usuário do serviço público de caráter geral possa demandar diretamente a conveniada a prestação adequada do serviço? 
A resposta somente poderá ser afirmativa, instando ressaltar que a nomenclatura convênio não é sequer apropriada, pois os convênios administrativos são acordos firmados entre entidades públicas, ou entre estas e entidades particulares, para realização de objetivos comuns de todos os partícipes. Portanto, in casu, a figura que ora se depreende é a de uma parceria público-privada, que é uma nova forma de participação do setor privado na implantação, melhoria e gestão da infraestrutura, assim, a Lei n° 11.079/2004, que institui normas gerais de licitação e contratação de parcerias público-privadas, define tal modalidade como contrato administrativo de concessão especial, que é diversa da concessão prevista na Lei n° 8.987/95, uma vez que nessas concessões: é o particular quem presta o serviço em seu nome, mas não assume todo o risco do empreendimento, vez que o Poder Público contribui financeiramente para a sua realização e manutenção, havendo duas formas de concessões especiais, uma delas denominada de patrocinada - quando a contratação da obra pública ou do serviço envolver uma contraprestação do Poder Público adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, e outra denominada de concessão administrativa - quando a contratação da obra pública ou do serviço é feita integralmente pela Administração. 
No caso em comento, o que se verifica, portanto, é uma concessão administrativa entre a municipalidade e a concessionária de serviço público, uma parceria público-privada que não é remunerada por tarifa, mas que não exclui o direito dos usuários do serviço indivisível e inespecífico ou de associação que os represente extraordinariamente de exigir a adequada prestação do serviço público de iluminação pública. Destarte, mesmo tratando-se de concessão administrativa especial regida, a prima facie, pela Lei n° 11.079/2004, ante a uma hermenêutica lógico-sistemática não afastada as regras contidas na Lei n° 8.987/95 que tratam da adequada e eficiente prestação de serviços públicos. A figura da terceirização ora engendrada no caso vertente da terceirização do serviço para ampliação da eficiência na gestão dos recursos públicos, então, não expungiria a figura dos usuários do serviço como categoria que, embora não seja parte do contrato de concessão administrativa, são em verdade os que fruem o serviço, sendo os destinatários dos mesmos. 
Assim, os usuários ou a associação que os representa dispõem, em verdade, de legitimidade para demandar a obrigação inadimplida, seja por parte do Poder Concedente, seja por parte da concessionária especial, havendo, portanto, pertinência subjetiva da associação para figuras nessa demanda coletiva a partir da análise da res in iudicium deducta. 
Desse modo, rejeita-se a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam arguida pela ré. 
Quanto ao pedido, o mesmo deve ser certo e determinado. Ocorre que o pedido formulado nestes autos, assenta-se em um mapa do bairro da Ferradura nesta cidade, depreendendo-se que o mesmo em relação as vias sem calçamento exige para consecução das obras públicas e da alocação da iluminação pública da presença do Poder Estatal, que infelizmente fora excluído da relação jurídico-processual pela decisão anterior do magistrado antecessor, assim, supervenientemente verifica-se a ilegitimidade da parte em relação a tal pedido, cabendo o indeferimento da inicial nesse aspecto com base no artigo 295, inciso II, do Código de Processo Civil. 
No mérito, cabível o julgamento antecipado da lide, ex-vi do artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil, haja vista que a questão em tela é de direito e de fato da qual prescinde da produção de prova em audiência. 
Destaca-se que transcorridos dois anos e meio do ajuizamento desta demanda, o juízo ao percorrer em inspeção judicial diversas vias apontadas no mapa trazido pelo demandante em nome alheio acerca de vias calçadas em que os postes de luz estariam sem braço ou sem lâmpadas, depreendeu que tal situação hodiernamente alterou-se. 
Quanto a demais vias, para escorreita imposição da obrigação de fazer, far-se-ia necessária à permanência do ente público na relação jurídico-processual, que, inobstante, fora excluído de tal relação initio litis, sendo assim, através da inspeção realizada restou a procedência da demanda em relação a uma importante via do bairro da Ferradura nesta cidade, a saber, a Avenida do Contorno que dá acesso a via alternativa da cidade, que embora seja toda perpassada por postes de distribuição de energia elétrica da concessionária, não dispõe de qualquer iluminação pública, sendo notório que nessa via recentemente vem ocorrendo assaltos a turistas, além de outros crimes. 
Assim, como foi reconhecida a pertinência subjetiva das partes remanescentes desta demanda, e sendo certo que os usuários como destinatários de um serviço público, mesmo que a título universal, ou as entidades que os representam extraordinariamente, detêm o direito de exigir a adequada prestação dos serviços públicos, seja do Estado, seja de seus concessionários, justa então a pretensão autoral quanto à obtenção de condenação da concessionária especial, na obrigação de fazer atinente a um serviço essencial, de caráter local, consubstanciada na alocação de iluminação pública ao longo da Avenida do Contorno, no bairro da Ferradura, já devidamente pavimentada, que já é toda perpassada por postes de distribuição de energia elétrica. Sendo certo que em um Estado Democrático de Direito, no qual o Estado não age mais de modo absoluto, e no qual, para a realização de muitos atos e contratos administrativos pelos entes estatais, exige-se a presença dos usuários e destinatários dos serviços públicos em audiências públicas (administração dialógica), o direito dos usuários, ou de quem os representa, de exigir judicialmente a adequada prestação de serviços públicos é algo justo e correto, harmonizando-se com os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil que é a promoção do bem de todos. 
Como salientado acima, compete à municipalidade organizar e prestar os serviços de interesse local, dentre os quais o relevante serviço de iluminação pública em logradouros públicos. Assim, se o serviço em voga é concedido à terceiro, através de parceria público-privada, consubstanciada em concessão administrativa especial, legítima a pretensão do ente associativo de exigir a escorreita prestação desse serviço, serviço este que hodiernamente é custeado pelos contribuintes através de Contribuição de Iluminação Pública, exação de constitucionalidade por deveras controversa. Restando ainda claro que a concessionária do serviço público de distribuição de energia elétrica, além de ser conveniada como delegatária tributária para cobrança da indigitada exação, na qualidade de concessionária em parceria público-privada é ainda remunerada pelo ente municipal com o tributo arcado pelos munícipes, que contam com uma péssima prestação deste serviço de iluminação pública, não só no bairro da Ferradura, como em diversos outros bairros desta cidade. 
Salienta-se que a iluminação pública ainda está intimamente ligada ao serviço geral de segurança pública prestado pelo Estado, pois é incontestável que vias sem iluminação constituem em chamarizes para as práticas clandestinas dos mais diversos delitos. Além do mais, a cidade em voga consubstancia-se em uma cidade eminentemente turística, que é conhecida no mundo inteiro, sendo ignominioso o fato de que uma importante via de um conhecido bairro dessa cidade, não detenha qualquer iluminação pública, estando correta a associação de usuários, ao não se contentar com a parcimônia estatal, bem como a parcimônia da concessionária especial no atendimento de um serviço essencialíssimo para o bem de toda a população, a saber, não só dos moradores do local, mas também de todos os transeuntes e motoristas que transitam por tal via. 
Ex positis, JULGO EXTINTO O PROCESSO EM RELAÇÃO AO PEDIDO DE CONDENAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER, CONSISTENTE NA ALOCAÇÃO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA, EM RELAÇÃO ÀS VIAS NÃO PAVIMENTADAS DO BAIRRO DA FERRADURA, INDEFERINDO A PETIÇÃO INICIAL NESSE ASPECTO COM BASE NO ARTIGO 295, INCISO II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, e JULGO EXTINTO O PROCESSO, COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, JULGANDO PARCIALMENTE PROCEDENTE A DEMANDA EM RELAÇÃO AO PEDIDO DE CONDENAÇÃO DA CONCESSIONÁRIA ESPECIAL NA OBRIGAÇÃO DE FAZER, CONSISTENTE NA ALOCAÇÃO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA EM TODA A EXTENSÃO DA AVENIDA DO CONTORNO, NO BAIRRO DA FERRADURA, QUE JÁ SE ENCONTRA PAVIMENTADA, E É TRANSPASSADA POR POSTES DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA DA PRÓPRIA CONCESSIONÁRIA ESPECIAL, QUE MANTÉM PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA CELEBRADA COM A MUNICIPALIDADE, O QUE DEVERÁ SER CONCLUÍDO NO PRAZO DE 60 DIAS A CONTAR DE SUA INTIMAÇÃO, SOB A PENA DO PAGAMENTO DE MULTA DIÁRIA DE R$ 15.000,00 (QUINZE MIL REAIS), A CONTAS DO ALUDIDO LAPSO TEMPORAL, EM PROL DO FUNDO ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. 
ANTECIPO NESTA SENTENÇA, OS EFEITOS DA TUTELA COMINATÓRIA ORA CONCEDIDA, ANTE AO JUÍZO DE CERTEZA E O PERICULUM IN MORA, na providência aguardada a longos anos pelos usuários e munícipes desta cidade. Proceda a serventia a intimação imediata da concessionária especial para o cumprimento da obrigação de fazer, no prazo de 60 dias a contar de sua intimação. 
Oficie-se ainda ao Poder Concedente, a saber, O Município, através da Prefeitura de Armação dos Búzios, na pessoa do Excelentíssimo Sr. Prefeito Municipal, para ciência desta sentença, apesar de sua exclusão do pólo passivo da relação jurídico-processual. 
Por fim, ante a sucumbência, condeno a ré ao pagamento das custas, da taxa judiciária e dos honorários advocatícios, no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), sopesando-se a complexidade da causa e o grau de zelo profissional. 

Com o trânsito julgado, dê-se baixa e arquivem-se. 
P. R. I. 
Armação dos Búzios, 16/10/2013. 
Marcelo Alberto Chaves Villas - Juiz Titular 

Acórdão do TJRJ sobre áreas públicas da Ferradura

Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro 
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL APELAÇÃO CÍVEL No: 0001406-70.2007.8.19.0078 APELANTE 1: MINISTÉRIO PÚBLICO 
APELANTE 2: ASSOCIAÇÃO DE MORADORES E CASEIROS DO BAIRRO DA FERRADURA AMOCA 
APELANTE 3: MARINA SOARES CAMPOS 
APELADO 1: SOCIEDADE SIMPLES CONDOMÍNIO DO ATLÂNTICO 
APELADO 2: MUNICÍPIO DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS 
 Relator: Desembargador MARCELO LIMA BUHATEM 

AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE FORTE CONTORNO URBANÍSTICO - INFLUÊNCIA REFLEXA E INDIRETA DO DIREITO AMBIENTAL - LOTEAMENTO URBANO RELEVANTE - SUA EXTENSÃO: A TOTALIDADE DO BAIRRO DA FERRADURA SITUADA NO MUNICÍPIO DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS - ÁREA URBANA DE RELEVANTE INTERESSE TURÍSTICO E SOCIAL - DEZENAS DE POUSADAS E HOTÉIS JÁ ERGUIDOS E EM FUNCIONAMENTO - DIVERSAS UNIDADES UNIFAMILARES CONTRUÍDAS - INALIENABILIDADE DOS “ESPAÇOS LIVRES” - INSCRITO O LOTEAMENTO, SOB A VIGÊNCIA DO DECRETO-LEI 58/37, TORNARAM-SE INALIENÁVEIS, A QUALQUER TITULO, AS VIAS DE COMUNICAÇÃO E OS “ESPAÇOS LIVRES” CONSTANTES DO MEMORIAL E DA PLANTA - ALTERAÇÃO QUE PROMOVEU MACRO REARRUMAÇÃO E CONTAMINOU TODO O PROJETO INICIAL DO LOTEAMENTO, COM REDUÇÃO DOS “ESPAÇOS LIVRES”, COM ELE ANUINDO O PODER PÚBLICO, NO REMOTO ANO DE 1978 - MUNICIPALIDADE QUE NÃO PODERIA APROVAR ALTERAÇÃO QUE FIZESSE RETORNAR AO PATRIMÔNIO PRIVADO TODA AQUELA ÁREA, SEM PRÉVIA E EXPRESSA AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA - NECESSIDADE DE DESAFETAÇÃO E PAGAMENTO DE JUSTO PREÇO - PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA - IMPERATIVA MODULAÇÃO DOS EFEITOS DO JULGADO - RESPEITO ÀS SITUAÇÕES JURÍDICAS JÁ CONSOLIDADAS COM O DECURSO DO TEMPO – 30 ANOS DE OMISSÃO DOS ÓRGÃOS OU INSTITUIÇÕES LEGITIMADAS - DANO MORAL COLETIVO - LESÃO À ORDEM URBANÍSTICA E AO PATRIMÔNIO PÚBLICO - PROVIMENTO PARCIAL DOS RECURSOS. 

1. Trata-se de apelações cíveis interpostas em face de sentença proferida pelo MM. Juízo da 1a Vara da Comarca de Armação dos Búzios que, em Ação Civil Pública por danos causados ao meio ambiente, à ordem urbanística e ao patrimônio público, proposta pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em face de Sociedade Simples Condomínio do Atlântico e do Município de Armação de Búzios, julgou improcedente os pedidos formulados na inicial. 
 2. A controvérsia posta nos autos em apreço diz com a possibilidade de alteração do projeto original de loteamento com a redução dos “espaços livres” de natureza pública pelo loteador, o que na visão do Parquet acabou ensejando danos ao meio ambiente, à ordem urbanística e ao patrimônio público, decorrentes da invasão e ocupações dessas áreas (públicas) por particulares, sem a devida ação de fiscalização e controle pelo poder público municipal. 
 3. Como já decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça, inscrito o loteamento, sob a vigência do Decreto-Lei 58/37, tornaram-se inalienáveis, a qualquer titulo, as vias de comunicação e os “espaços livres” constantes do memorial descritivo e da planta. 
 4. Inarredável a conclusão de que desde o momento em que o memorial e a planta de loteamento se registram, as vias de comunicação e os espaços livres, ex vi legis, se tornam inalienáveis. Em consequência, são postos fora do comércio; de onde ocorre a perda, para o loteador, de sua posse sobre elas. 
 5. Postas estas premissas, há de ser destacado que incorporados os “espaços livres”, pelo registro do loteamento, ao domínio público do Município, face sua inalienabilidade, não poderia qualquer destes espaços ser vendido, doado ou de qualquer forma alienado pelos loteadores, porque aos loteadores não mais pertenciam, configurando verdadeira venda a non domino. 
 6. Claro que os loteadores não poderiam dispor da área aqui em discussão, porque não mais proprietários da mesma, uma vez que estavam cravadas sob o manto da inalienabilidade desde o registro do loteamento, incorporando ao domínio público. 
 7. Ainda que se sustentasse que o plano de loteamento poderia ser modificado, tal como proposto no ano de 1978, especificamente quanto aos lotes não comprometidos e o arruamento, desde que as modificações não prejudicassem os lotes comprometidos ou definitivamente adquiridos, tal como permitia o art. 1o, §4o, do Dec. 58/37, não havia autorização na lei para modificações da destinação dos espaços livres, tampouco de recuperação por parte do loteador de áreas conferidas à municipalidade. 
 8. Ou seja, tal como sustentado pelo Parquet na ACP , uma vez incorporados os 595.000m2 ao patrimônio municipal, através de inscrição em registro originário no ano de 1973, não poderia a municipalidade aprovar alteração que fizesse retornar ao patrimônio privado toda aquela área, isso sem prévia e expressa autorização legislativa e mediante desafetação e pagamento de justo preço. 
 9. Isso porque a Constituição da República de 1967, vigente à época já trazia em seu art. 46, inciso VI, dispositivo, reafirmado na CF/88 e, assim, atualmente em vigor em todas as constituições e leis de organização municipais, que estabelece a competência legislativa para dispor sobre bens públicos. 
 10. Nesta ordem de ideias, a averbação inscrita aos 12.12.1978 à margem do memorial de loteamento na pág. 47 do livro no 8 do 1o Ofício de Notas de Cabo Frio, assim como a aprovação de alteração do projeto de loteamento procedida nos autos do processo administrativo no 546/78 aos 28.09.1979 são nulas de pleno direito, posto que flagrantemente violadoras de dispositivo legal e constitucional então em vigor e flagrantemente lesivas ao patrimônio e interesse público. 
 11. Ocorre que, em certos casos, não basta e tampouco se revela conveniente a simples declaração de nulidade do ato e/ou da lei impugnados, não podendo o direito fechar os olhos para situações fáticas já consolidadas com o decurso do tempo, decorrência clara do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, sustentáculos do próprio regime do Estado Democrático de Direito.
 12. Outrossim, há de atentar o intérprete para a boa-fé que deve pautar a relação Administração/administrado, inspiradora de um mínimo de confiança entre as partes. 
 13. Com isso quer-se dizer que deve o julgador, caso a caso, quando assim lhe for exigível, sopesar os elementos de fato e de direito subjacentes ao conflito de interesses, para melhor adequar a sua decisão ao senso de justiça, podendo, inclusive, modular os seus efeitos, do que se tem claro exemplo em nossa Jurisdição Constitucional, quando não raras vezes o E. Supremo Tribunal Federal é chamado a declarar a inconstitucionalidade de uma norma, contudo, sem pronúncia de sua nulidade. 
 14. No caso vertente, a mera declaração de nulidade dos atos registrais referentes ao loteamento Condomínio do Atlântico, bem como das aberturas de matrículas procedidas pelo Ofício Único da Comarca de Armação dos Búzios, decorrentes da alteração do projeto originário do loteamento, certamente colocariam em risco, por razões óbvias, os princípios da segurança jurídica, do fato consumado, do ato jurídico perfeito, da proteção da confiança, bem como da boa-fé entre Administração e administrado, uma vez que foi a própria edilidade que no remoto ano de 1978 anuiu à alteração do projeto original, com a redução dos espaços livres. 14a. Área de relevante interesse social e turístico que hoje conta com diversas pousadas e hotéis além de uma infinidade de residencias unifamiliares. 
 15. Também se revelam inegáveis os graves prejuízos que seriam impostos aos terceiros de boa-fé, que impelidos na aparência de legalidade da alteração do projeto inicial do loteamento, chancelado pelo próprio poder público, contrataram a aquisição de eventuais áreas ora questionadas, não sendo prudente agora e condizente ao mais comezinho senso de justiça, depois de mais de 35 anos , quando já realizados investimentos, verem-se compelidos à demolição de suas propriedades. 
 16. Aliás, não é difícil cogitar, por revelar a prática do mercado imobiliário, a existência de múltiplas cadeias sucessórias quanto aos ditos imóveis, o que redundaria na instalação de um grave e caótico quadro social e econômico, com repercussão no ramo do direito civil, diante de um mil números de ações propostas em face dos alienantes pelos terceiros de boa- fé, que se veriam desalijados das áreas questionadas na ACP. 
 17. Deste modo, por tudo que antes se expôs, a meu sentir, embora a aprovação das alterações no projeto original do loteamento, que conferiam nova natureza jurídica aos 595.000 m2 de áreas adjacentes, que deixaram de ser públicas como originalmente reconhecidas, passando a ser tratadas como particulares, bem como as aberturas de matrículas procedidas pelo Ofício Único da Comarca de Armação dos Búzios de lotes individualizados, sejam nulas de pleno direito, entendo que devem ser respeitadas as situações jurídicas já consolidadas até a data da prolação deste julgado, com base no princípio da segurança jurídica e da boa-fé. 
18. Não vislumbro dano material indenizável. 
 19. De outro lado, condeno o réu Sociedade Civil Condomínio do Atlântico na obrigação de indenizar os danos morais coletivos decorrentes da perda intercorrente e definitiva da qualidade urbanística do bairro da Ferradura, no município de Armação dos Búzios, a ser revertida em favor do Fundo Federal dos Direitos Difusos, que ora fixo no valor de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), ex vi do art. 13 da Lei 7.347/85. 

 DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO AOS RECURSOS ACÓRDÃO VISTOS, relatados e discutidos este autos de APELAÇÃO CÍVEL No: 0001406-70.2007.8.19.0078, em que é APELANTE 1: MINISTÉRIO PÚBLICO; APELANTE 2: ASSOCIAÇÃO DE MORADORES E CASEIROS DO BAIRRO DA FERRADURA AMOCA; APELANTE 3: MARINA SOARES CAMPOS; APELADO 1: SOCIEDADE SIMPLES CONDOMÍNIO DO ATLÂNTICO; APELADO 2: MUNICÍPIO DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS 

 ACORDAM os ilustres Desembargadores que compõem a E. 3a Câmara Cível deste E. Tribunal de Justiça, por unanimidade de votos, em conhecer e DAR PARCIAL PROVIMENTO aos recursos, nos termos do voto do Desembargador Relator. RELATÓRIO Trata-se de apelações cíveis interpostas em face de sentença proferida pelo MM. Juízo da 1a Vara da Comarca de Armação dos Búzios que, em Ação Civil Pública por danos causados ao meio ambiente, à ordem urbanística e ao patrimônio público, proposta pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em face de Sociedade Simples Condomínio do Atlântico e do Município de Armação de Búzios, julgou improcedente os pedidos formulados na inicial. O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro propôs Ação Civil Pública visando à tutela de interesses de ordem urbanística e de proteção do patrimônio público, tendo por palco o bairro da Ferradura em Armações dos Búzios, formado a partir da implantação do loteamento “Condomínio do Atlântico”, sob responsabilidade de Sociedade Simples Condomínio do Atlântico, pois a referida localidade estaria sendo descaracterizada, em razão de invasões e ocupações de áreas públicas, as denominadas áreas adjacentes, por particulares, sem a devida ação de fiscalização e controle pelo poder público municipal. Na inicial da ACP, narra o Ministério Público, que alegando a ocorrência de “pequenas diferenças topográficas”, a Sociedade Civil Condomínio do Atlântico obteve junto à Prefeitura Municipal de Cabo Frio aprovação de alterações no projeto original do loteamento, que conferiram nova natureza jurídica aos 595.000 m2 de áreas adjacentes – remanescentes, que deixariam de ser públicas, como originalmente reconhecidas, passando a ser tratadas como particulares. Aduz que diversas matérias foram publicadas em periódicos locais versando acerca dos questionamentos existentes quanto à regular implantação do loteamento “Condomínio do Atlântico”, em especial no que concerne à suposta ocupação e construção em áreas consideradas públicas, sejam elas decorrentes da previsão de vias públicas e praças, sejam aquelas identificadas como adjacentes às quadras residenciais e remanescentes na descrição do projeto de loteamento aprovado. Sustenta que inscrito o loteamento, sob a vigência do Decreto-Lei 58/37, tornaram-se inalienáveis, a qualquer título, as vias de comunicação e os “espaços livres” constantes do memorial e da planta. Deste modo, os loteadores não poderiam dispor da área em discussão, porque não mais proprietários da mesma, uma vez que estavam cravadas sob o manto da inalienabilidade. A sentença, de maneira simplista, julgou improcedente o pedido centrando-se no fundamento de que a norma de regência autoriza o promovente do loteamento a alterar- lhe as destinações, bastando que anua o Poder Público competente aos novos projetos. Se, então, o ente público aprovou a alteração, aceitando a redução substancial da área que anteriormente lhe era destinada, as razões fugiriam ao controle do Poder Judiciário. O 1º apelante – Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro – apresentou razões recursais em fls. 1025/1059. Razões de apelo ofertadas por Associação de Moradores e Caseiros do Bairro da Ferradura, às fls. 1060/1096. Apelação de Mariana Soares Campos, às fls.1122/1128. Os apelantes requerem, em síntese, a reforma da sentença, com a procedência dos pedidos formulados na Ação Civil Pública. Os recursos foram regularmente contrarrazoados. A D. Procuradoria de Justiça, às fls. 1252/1262, opinou pelo provimento dos recursos. 

 Passo ao VOTO. Conheço dos recursos já que tempestivos e por estarem satisfeitos os demais requisitos de admissibilidade. 

 I - QUESTÕES DE ORDEM E PRELIMINARES Inicialmente, rejeito a alegação de prescrição suscitada pelos réus, uma vez que conforme já decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça (REsp 1120117/AC) não há prescrição das ações por danos ambientais, sendo certo que a presente ação, ainda que reflexamente, assume contornos de direito ambiental, devendo, por isso mesmo, aplicar a linha do citado entendimento. Colhe-se do referido precedente a seguinte passagem, que bem ilustra a tese aqui defendida, in verbis: “O direito ao pedido de reparação de danos ambientais, dentro da logicidade hermenêutica, está protegido pelo manto da imprescritibilidade, por se tratar de direito inerente à vida, fundamental e essencial à afirmação dos povos, independentemente de não estar expresso em texto legal.” Igualmente, não vislumbro cerceamento de defesa ao autor da ação, por revelar-se a prova técnica, no caso, dispensável, sendo a matéria de direito e a prova juntada aos autos o quantum satis a permitir o correto julgamento da lide, não havendo dúvidas quanto à redução substancial dos “espaços livres” levada a efeito pela alteração do projeto de loteamento. A redução dos espaços livres são contatadas primo ictu oculi pela análise das próprias plantas do loteamento (a primeira e a decorrente da alteração) onde se percebe, claramente, por exemplo, em uma das quadras, conforme destacada no mapa pelo relator quando do julgamento, a abertura de dezenas de lotes antes não existentes na primeira planta, só possível com a rearrumação das glebas diante da redução considerável das áreas livres. 

 II - INALIENABILIDADE DOS “ESPAÇOS LIVRES” - INSCRITO O LOTEAMENTO, SOB A VIGÊNCIA DO DECRETO-LEI 58/37, TORNARAM-SE INALIENÁVEIS, A QUALQUER TITULO, AS VIAS DE COMUNICAÇÃO E OS “ESPAÇOS LIVRES” CONSTANTES DO MEMORIAL E DA PLANTA Noticiam os autos Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em face de Sociedade Simples Condomínio do Atlântico e Município de Armação de Búzios em razão de invasões e ocupações de áreas públicas por particulares, decorrentes da implantação do Condomínio Atlântico sem a correspondente ação de fiscalização e controle por parte do poder público municipal, servindo de substrato à ação o inquérito civil número 01-036/07, que tramitou em conjunto com os autos do inquérito civil número 02-017/07, específico quanto à apuração das condições de aprovação, implantação e alteração do loteamento Condomínio do Atlântico. 
 Na ACP, objetiva o Ministério Público Estadual, o deferimento, inaudita altera pars, de medida liminar no sentido de determinar: 
 a) a suspensão dos efeitos da averbação procedida à margem do memorial descritivo do loteamento Condomínio do Atlântico inscrita aos 12.12.1978 na pág. 47 do livro no 8 do 1o Ofício Notarial e Registral de Cabo Frio, no que se refere à alteração da descrição da área correspondente a 595.000 m2, adjacentes aos lotes residenciais, originalmente previstas como espaços livres e incorporadas ao patrimônio público municipal; 
 b) a suspensão dos efeitos das certidões de constatação e aditamento à aprovação de projeto de loteamento emitida pela Secretaria Municipal de Finanças, referentes às área adjacentes aos lotes residenciais do loteamento Condomínio do Atlântico; 
 c) a suspensão dos efeitos dos registros procedidos pelo Ofício Único da Comarca de Armação dos Búzios, e consequentes abertura de matrículas de lotes individualizados, caracterizados e especificados com base nas certidões de constatação e aditamento à aprovação de projeto de loteamento referente às áreas adjacentes aos lotes residenciais do loteamento Condomínio do Atlântico;
 d) a paralisação de toda e qualquer obra de construção, ampliação ou reforma em áreas adjacentes aos lotes residenciais do loteamento Condomínio do Atlântico, levando-se em referência a planta no 008-CA aprovada pela Prefeitura Municipal de Cabo Frio aos 28.09.1978 nos autos do processo administrativo no 546/78, elaborada pelo arquiteto Octávio Raja Gabaglia Moreira Penna; 
 e) a suspensão de licenças ou autorizações para obras porventura emitidas pela Prefeitura Municipal de Armação dos Búzios em áreas adjacentes aos lotes residenciais do loteamento Condomínio do Atlântico, levando-se em referência a planta no 008- CA aprovada pela Prefeitura Municipal de Cabo Frio aos 28.09.1978 nos autos do processo administrativo no 546/78, elaborada pelo arquiteto Octávio Raja Gabaglia Moreira Penna; 
 f) seja determinada a realização dos competentes atos de comunicação à Prefeitura Municipal de Armação dos Búzios, ao Cartório do Ofício Único de Armação dos Búzios e ao Cartório do 1o Ofício de Cabo Frio. 

Ao final, requer seja julgado procedente o pedido para: 
 a) tornar definitiva as medidas liminares requeridas 
 b) anular os atos registrais referentes ao loteamento Condomínio do Atlântico a seguir identificados: b.1) averbação procedida à margem do memorial descritivo do loteamento Condomínio do Atlântico inscrita aos 12.12.1978 na pág. 47 do livro no 8 do 1o Ofício Notarial e Registral de Cabo Frio, no que se refere à alteração da descrição da área correspondente a 595.000,00m2, adjacentes aos lotes residenciais, que transformava em particulares os espaços livres originalmente previstos como áreas públicas; b.2) aberturas de matrículas procedidas pelo Ofício Único da Comarca de Armação dos Búzios de lotes individualizados, caracterizados e especificados com base nas certidões de constatação e aditamento à aprovação de projeto de loteamento emitidas pela Secretaria Municipal de Finanças de Armação dos Búzios, referente às áreas adjacentes aos lotes residenciais do loteamento Condomínio do Atlântico; 
 c) anular as certidões de constatação e aditamento à aprovação de loteamento emitidas pela Secretaria Municipal de Finanças, referentes às áreas adjacentes aos lotes residenciais do loteamento Condomínio do Atlântico; 
 d) declarar a natureza pública e consequente incorporação ao patrimônio municipal das áreas adjacentes aos lotes residenciais do loteamento Condomínio do Atlântico, conforme estabelecido em sua aprovação original; 
 e) condenar o réu Sociedade Simples Condomínio do Atlântico na obrigação de não fazer consistente na abstenção de alienação, construção ou qualquer outra intervenção nas áreas adjacentes aos lotes residenciais do loteamento Condomínio do Atlântico; 
 f) condenar o réu Sociedade Simples Condomínio do Atlântico na obrigação de fazer consistente na demolição, remoção e recuperação dos espaços livres das áreas adjacentes aos lotes residenciais do loteamento Condomínio do Atlântico, tendo por referência a planta no 008-CA aprovada pela Prefeitura Municipal de Cabo Frio aos 28.09.1978 nos autos do processo administrativo no 546/78, elaborada pelo arquiteto Octávio Raja Gabaglia Moreira Penna, em unificação às plantas 008 e 008-C, com denominação das ruas e numeração dos lotes; 
 g) a condenação do réu Sociedade Civil Condomínio do Atlântico na obrigação de indenizar os danos materiais e morais decorrentes da perda intercorrente e definitiva da qualidade urbanística do bairro da Ferradura, no município de Armação dos Búzios, a ser revertida em favor do fundo federal dos direitos difusos ou outro de similar natureza; 
 h) condenar os réus no pagamento dos honorários de sucumbência a serem revertidos ao Fundo Estadual do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. 

Estes os pedidos do Parquet, a fim de delimitar corretamente a extensão do objeto da ACP, que visa defender e proteger direitos coletivos difusos titularizados por toda a sociedade, devendo o litígio ora instalado ser compreendido em sua natureza macro, posto se tratar de defesa da ordem urbanística, e, subjacentemente, do meio ambiente. 
 A controvérsia posta nos autos em apreço diz com a possibilidade de alteração do projeto original de loteamento com a redução dos “espaços livres” de natureza pública pelo loteador, o que na visão do Ministério Público ensejou danos ao meio ambiente, à ordem urbanística e ao patrimônio público, decorrentes da invasão e ocupações dessas áreas (públicas) por particulares, sem a devida ação de fiscalização e controle pelo poder público municipal. Conforme se apurou nos autos do inquérito civil e da ACP o “Condomínio do Atlântico” foi constituído com base em plano de urbanização de área localizada na Fazenda Ferradura, Município de Armação dos Búzios, antigo 3o Distrito de Cabo Frio, com 2.030.000,00m2 (203ha), situada entre o Saco da Ferradura, terras pertencentes à Cia. Industrial Odeon e a estrada municipal. 
 A titularidade da referida área, atribuída à Cia. Urbanizadora de Búzios passou, com a dissolução e partilha de seu acervo, aos respectivos acionistas os quais, condôminos da área, estabeleceram em convenção a formação da Sociedade Civil Condomínio do Atlântico com vistas à promoção de atividades e serviços necessários à urbanização, demarcação, divisão e modernização da gleba. 
 O plano de urbanização submetido à apreciação e aprovação por parte da Prefeitura Municipal de Cabo Frio nos autos do processo administrativo no 1.617/68, foi elaborado pela firma Bruno Picolin - Rodrigo A. Vieira Ltda., sendo apontado como argumento para o projeto do “Condomínio Atlântico” o de “implantar uma urbanística que principalmente se adaptasse naturalmente e de tal maneira à paisagem ao ponto de melhorá-la, e que estabelece as bases de uma cidade onde o homem e não as ruas, casas, estradas e não a exploração imobiliária seja o objetivo de primeira preocupação – áreas públicas em forma de jardins e lagos, sem falar da própria – ocupam mais de 30% do total das áreas disponíveis, na razão de 104m2 p. habitante”. 
 A aprovação do projeto de loteamento da área a constituir o “Condomínio do Atlântico” se deu nos autos do processo administrativo no 1.617/68 aos 23.03.1972 junto à Prefeitura Municipal de Cabo Frio, já que, à época, Búzios fazia parte daquele município. O respectivo Memorial Descritivo foi apresentado aos 13.10.1972 junto ao Cartório do 1º Ofício Notarial e Registral de Cabo Frio e publicado em editais oficiais do mês de janeiro de 1973, sendo inscrito aos 19.01.1973 sob o no 03 de fl. 07 do Livro Auxiliar no 8. 
 Da leitura do Memorial Descritivo acima referido, extrai-se, do seu item III, a identificação das áreas públicas decorrentes da aprovação do loteamento, a saber: III – Áreas Públicas. Passarão a integrar o Patrimônio Municipal, em atendimento e consoante ao despacho do Sr. Chefe da Divisão de Obras e Urbanismo da Prefeitura Municipal de Cabo Frio (exarada no processo P.M.C.F. 1.617/68 na data de 29.02.1972) as seguintes áreas: a) as relativas às vias de comunicação, compreendendo uma extensão de 16.172 metros e uma superfície de 194.364 metros; b) as adjacentes às quadras residenciais (quando sem destinação no específico projeto que a este instrui e apontadas na planta no 007 como Jardins Públicos ou Áreas de Recreação) e consideradas como áreas “non aedificandi”, compreendendo aproximadamente 595.000m2 de superfície; c) as apresentadas no projeto citado como reserva para construção de Estacionamento de Veículos, compreendendo uma superfície de 2.400m2, e para construção de Escola, compreendendo uma superfície de 7.500m2. Resumo: a) 194.364m2; b) 595.000m2; c) 9.900m2, total: 799.264m2.
   No caso em exame, ressalte-se que, enquanto o Memorial Descritivo submetido à Prefeitura Municipal de Cabo Frio nos autos do processo administrativo no 1.617/68, aprovado aos 23.03.1972, apresentava como áreas públicas aquelas adjacentes às quadras residenciais (quando sem destinação no específico projeto e apontadas na planta no 007 como jardins públicos ou áreas de recreação) e consideradas como áreas non aedificandi, compreendido aproximadamente 595.000m2 de superfície; a inscrição no R-04-1.402 de 1o.06.1979 da matrícula do loteamento “Condomínio do Atlântico”, procedida após aprovação de alteração do referido projeto de loteamento, aprovada pela Prefeitura Municipal de Cabo Frio aos 28.09.1978 nos autos do processo administrativo no 546/78 informa que as referidas áreas adjacentes às quadras residenciais sem destinação específica no projeto de loteamento seriam de titularidade particular do próprio “Condomínio do Atlântico” e não públicas, como anteriormente estabelecido. 
 Ou seja, como em um passe de mágica, alegando suposta ocorrência de “pequenas diferenças topográficas”, a Sociedade Civil Condomínio do Atlântico obteve junto à Prefeitura Municipal de Cabo Frio aprovação de alterações no projeto original que conferiam nova natureza jurídica aos 595.00m2 de áreas adjacentes – remanescentes, que deixariam de ser públicas, como originalmente reconhecidas, passando a ser tratadas com particulares. 
 A partir daí, como narra a ACP, os sócios da Sociedade Simples Condomínio do Atlântico (atual denominação de Sociedade Civil Condomínio do Atlântico) formularam requerimento aos 12.01.2006 junto ao Cartório do Ofício Único de Armação dos Búzios, postulando a abertura de matrículas das áreas remanescentes, em aditamento e retificação do Memorial Descritivo do Loteamento “Condomínio do Atlântico”, buscando os interessados justificar o requerimento com a informação de que, pasmem, “estas áreas remanescentes, que não estão matriculadas individualmente, também não são contribuintes do imposto territorial, acarretando evasão da receita do Município”. 
 A Sociedade Simples Condomínio do Atlântico, interessada na abertura de matrículas específicas para áreas remanescentes do loteamento “Condomínio do Atlântico”, que estariam sendo certificadas e descritas pela municipalidade, informa os seguintes dados para fins de aditamento e retificação do Memorial Descritivo, a saber: 
Total da Gleba adquirida: 2.030.000,00m2  
Área de 608 lotes: -821.363,89m2 
Vias de circulação: -196.466,89m2 
Área para Escola e Posto de Saúde: 8.400m2 
Reserva Florestal: 15.500m2 
Parques: 9.300m2 
Praças: 17.350m2 
Estacionamento: 9.800m2 
Sub-total:-60.350,00m2 
Área alienada a Paolo Mariani e outros (matrícula 367): -219.070m2. 
Área alienada a Paola Silvia Crostarosa (escr. 5o ofício, liv. SC-092-E, fl. 9/11, não registrado):-11.580,00m2. 
Área remanescente dos condôminos: 721.170,11m2 
 Assim procedendo, postularam os interessados (Sociedade Simples Condomínio do Atlântico) junto ao Cartório do Ofício único de Armação dos Búzios fosse procedido o aditamento e retificação do Memorial Descritivo do loteamento “Condomínio do Atlântico”, em números finais que levariam ao reconhecimento quedos 2.030.000,00m2 (dois milhões e trinta mil metros quadrados) da gleba loteada, somente 44.850,00m2 teriam passado ao domínio do Município (áreas para escola e posto de saúde + parques + praças + estacionamento), ou seja, meros 2,21% se tornaram áreas públicas, enquanto 15.500,00m2 seriam destinados a reserva florestal, ou seja, meros 0,76%, de modo que, somadas as áreas doadas à municipalidade e aquelas destinadas à reserva florestal, somente 2,97% dos 2.030.000,00m2 (60.350,00m2) teriam sido afastados do patrimônio da Sociedade Simples Condomínio do Atlântico na implantação do loteamento “Condomínio do Atlântico”. 
 Destaque-se que a referência constante na apresentação do Plano de Loteamento originalmente aprovado pela Prefeitura Municipal de Cabo Frio aos 23.03.1972, nos autos do processo administrativo no 1.617/68, expressava que “áreas públicas em forma de jardins e lagos, sem falar da própria praia – ocupam mais de 30% do total das áreas disponíveis, na razão de 104m2 p. habitante”. Ora, os aproximados 30% (29.31%) originalmente previstos como área pública, isto é, 595.000,00m2, teriam se transformado em 2,97% ou 60.350,00m2 da área total loteada (2.030.000,00m2). 
 De fato, como bem ressaltado pela D. Procuradoria de Justiça, em seu parecer recursal, a prova carreada aos autos é induvidosa no que se refere à natureza pública e non aedificandi das áreas adjacentes, tais como descritas no memorial aprovado e levado a registro. Ou seja, o desaparecimento dessas áreas do memorial descritivo, por irregular incorporação ao patrimônio de particulares, com a consequente modificação de sua natureza jurídica, acarretada por alteração do projeto de loteamento, não pode prevalecer. 
 A inscrição do loteamento produz de imediato, três consequências jurídicas, a saber: a) subdivisão da área para efeito de alienação individual dos lotes; b) imutabilidade da situação urbanística traçada na planta e descrita no memorial; e, c, a transferência das vias de comunicação (ruas) e dos espaços livres (praças e áreas reservadas para equipamentos urbanos) para o domínio público do Município do que decorre a inalienabilidade dessas áreas. Esta última consequência (a inalienabilidade dos “espaços livres” do loteamento) está expressamente consignada no art. 3o do Decreto-Lei no 58/37, que embora em termos poucos técnicos, pois que o dispositivo legal toma o efeito (inalienabilidade) pela causa (transferência do domínio particular para o domínio público), dispõe, verbis: 
Art. 3º. A inscrição torna inalienáveis, por qualquer título, as vias de comunicação e os espaços livres constantes do memorial e da planta. 

Reverbere-se que as áreas livres de uso comum incorporam-se ao domínio do Município com a simples aprovação do loteamento, não sendo exigível para tanto o registro no cartório imobiliário. A aprovação do loteamento implica, sim, a inalienabilidade das áreas nele destinadas ao uso comum do povo – efeito, todavia, que supõe tenha o loteamento sido requerido por quem podia alienar tais áreas, vale dizer, o proprietário. 
 Às áreas de uso comum, o Estado atribui-lhes a natureza de servidão administrativa, sem indenização pela incorporação ao patrimônio público. A perda comercial destas áreas, contudo, já deverá estar compensada, diluída, na alienação dos lotes que compõem o projeto, não se afigurando legal e razoável, por isso, a alteração do projeto de loteamento com a transformação dos 30% (29.31%) originalmente previstos como área pública (595.000,00m2), em 2,97% (60.350,00m2) da área total loteada (2.030.000,00m2), com sensíveis danos ao meio ambiente e incomensurável distorção à ordem urbanística e ao patrimônio público. 
 A natureza pública das áreas livres, compondo o domínio público do Município, é reafirmada pelo Decreto-Lei 271 de 28 de fevereiro de 1967, que em seu art. 4o, dispõe: 
Art 4ª. Desde a data da inscrição do loteamento passam a integrar o domínio público de Município as vias e praças e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo.  

Já a Lei no 6.766, de 19 de dezembro de 1979, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano, em seu art. 22, também é expressa no sentido de que “desde a data de registro do loteamento, passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo”. Confira-se, inclusive, precedente do E. Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, a corroborar a linha de entendimento aqui defendida, in verbis: LOTEAMENTO URBANO. INALIENABILIDADE DOS 'ESPAÇOS LIVRES'. INSCRITO O LOTEAMENTO, SOB A VIGENCIA DO DECRETO-LEI 58/37, TORNARAM-SE INALIENAVEIS, A QUALQUER TITULO, AS VIAS DE COMUNICAÇÃO E OS 'ESPAÇOS LIVRES' CONSTANTES DO MEMORIAL E DA PLANTA, DENTRE ESTES O ESPAÇO DESTINADO A CONSTRUÇÃO DA 'IGREJA'. PELA INALIENABILIDADE, PERDEU O LOTEADOR A POSSE E O DOMINIO DE TAIS AREAS, TRANSFERIDAS AO PODER PUBLICO. NULA, DESTARTE, POSTERIOR DOAÇÃO FEITA PELO LOTEADOR A UMA DETRMINADA CONFISSÃO RELIGIOSA, DO ESPAÇO LIVRE JA DE DOMINIO DO MUNICIPIO. LEI MUNICIPAL AUTORIZANDO A DESAFETAÇÃO DE TAL AREA E SUA ALIENAÇÃO A UMA EMPRESA PARTICULAR, ATRAVES DE ESCRITURA PUBLICA, REGISTRADA NO OFICIO IMOBILIARIO ANTERIORMENTE AO REGISTRO DA ESCRITURA DA DOAÇÃO REALIZADA PELO LOTEADOR. INVALIDADE DA DOAÇÃO FEITA PELO LOTEADOR E, EM CONSEQUENCIA, IMPROCEDENCIA DA AÇÃO REIVINDICATORIA AJUIZADA PELA IGREJA DONATARIA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. (REsp 2734 / GO, Ministro ATHOS CARNEIRO, QUARTA TURMA, DJ 22/04/1991).
   A própria egrégia 2a Seção da Corte Superior de Justiça já teve oportunidade de apreciar o tema, verbis: LOTEAMENTO. ESPAÇOS LIVRES DE USO COMUM. USUCAPIÃO. TRANSFERENCIA AO PATRIMONIO PUBLICO. AÇÃO RESCISORIA COM ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DOS ARTS. 9., PARAGRAFO 2., INC. III, 17, 22 E 23, PARAGRAFOS 2. E 3., DA , LEI N. 6.766, DE 19.12.79. AS AREAS LIVRES DE USO COMUM INCORPORAM-SE AO DOMINIO DO MUNICIPIO COM A SIMPLES APROVAÇÃO DO LOTEAMENTO, NÃO SENDO EXIGIVEL PARA TANTO O REGISTRO NO CARTORIO IMOBILIARIO. AÇÃO RESCISORIA JULGADA IMPROCEDENTE. (AR 387 / SP, Ministro BARROS MONTEIRO, SEGUNDA SECAO, DJ 18/03/1996).
   Inarredável, assim, a conclusão de que desde o momento em que o memorial e a planta de loteamento são registrados, as vias de comunicação e os espaços livres, ex vi legis, se tornam inalienáveis. Em consequência, são postos fora do comércio; de onde a perda para o loteador, de sua posse sobre elas. Postas estas premissas, há de ser destacado que incorporados os “espaços livres”, pelo registro do loteamento, ao domínio público do Município, face sua inalienabilidade, não poderia qualquer destes espaços ser simplesmente vendidos, doados ou de qualquer forma alienados pelos loteadores, porque aos loteadores não mais pertenciam tais áreas, configurando verdadeira venda a non domino. 
Por óbvio os loteadores não poderiam dispor da área aqui em discussão, porque não mais proprietários da mesma, uma vez que estavam cravadas sob o manto da inalienabilidade desde o registro do loteamento, incorporando ao domínio público. Certo é que foi extremamente gravosa a rearrumação dos lotes erigida, de modo a contaminar toda a estrutura urbanística outrora a originalmente aprovada. 
 Ainda que se sustentasse que o plano de loteamento poderia ser modificado, tal como proposto no ano de 1978, especificamente quanto aos lotes não comprometidos e o arruamento, desde que as modificações não prejudicassem os lotes comprometidos ou definitivamente adquiridos, tal como permitia o art. 1o, §4o, do Dec. 58/37, não havia autorização na lei para modificações dos espaços livres, tampouco de recuperação por parte do loteador de áreas conferidas à municipalidade. 
 Ou seja, tal como sustentado pelo Parquet na ACP, uma vez incorporados os 595.000m2 ao patrimônio municipal, através de inscrição em registro no ano de 1973, não poderia a municipalidade aprovar alteração que fizesse retornar ao patrimônio privado toda aquela área, isso sem prévia e expressa autorização legislativa e mediante desafetação e pagamento de justo preço. Isso porque a Constituição da República de 1967, vigente à época já trazia em seu art. 46, inciso VI, dispositivo atualmente em vigor em todas as constituições e leis de organização municipais, o qual estabelece a competência legislativa para dispor sobre bens públicos. 
 Nesta ordem de ideias, a averbação inscrita aos 12.12.1978 à margem do memorial de loteamento na pág 47 do livro no 8 do 1o Ofício de Notas de Cabo Frio, assim como a aprovação de alteração do projeto de loteamento procedida nos autos do processo administrativo no 546/78 aos 28.09.1979 são nulas de pleno direito, posto que flagrantemente violadoras de dispositivo legal e constitucional então em vigor e flagrantemente lesivas ao patrimônio e interesse público. 
 Vale recordar, ainda, decisão do E. Supremo Tribunal Federal, no RE 73044/SP, Min. Thompson Flores, j. 28/04/1972, a respeito do tema, não pairando qualquer dúvida de que se tratam os “espaços livres” como áreas públicas e, como tal, fora do domínio privado, desde a aprovação do loteamento, quando, de pleno juris, passam a integrar o domínio público. DESAPROPRIAÇÃO. ÁREA LOTEADA. ESPACOS LIVRES. PRACAS E RUAS. APROVAÇÃO DO LOTEAMENTO PELA PREFEITURA. EFEITOS. DIREITO DE RECEBER O PREÇO DE INDENIZAÇÃO DAS AREAS RESERVADAS AO DOMÍNIO PÚBLICO. II. VERIFICADO O CONCURSO VOLUNTARIO, COM A APROVAÇÃO DO LOTEAMENTO PELO PODER PÚBLICO, INSCRITO, APÓS, OPERA-SE PLENO JURIS. FACE AO DIREITO ADMINISTRATIVO, O DOMÍNIO AREAS RESERVADAS AO USO PÚBLICO. III. APLICAÇÃO DO ART. 3 DO DECRETO-LEI N. 58/37. EXEGESE FIRMADA NOS TRIBUNAIS, INCLUSIVE NA SUPREMA CORTE. RECURSO PROVIDO. 

III - MODULAÇÃO DOS EFEITOS DO DECISUM - PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA - RESPEITO ÀS SITUAÇÕES JURÍDICAS CONSOLIDADAS.
   Não obstante as graves nulidades apontadas, ocorre que, em certos casos, não basta e tampouco se revela conveniente a simples declaração de nulidade do ato e/ou da lei impugnados, não podendo o direito fechar os olhos para situações fáticas já verdadeiramente consolidadas com o decurso do tempo, decorrência clara do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, sustentáculos do próprio regime do Estado Democrático de Direito. 
 Igualmente, há de atentar o intérprete para a boa- fé que deve pautar a relação Administração/administrado, inspiradora de um mínimo de confiança entre as partes. Com isso quer-se dizer que deve o julgador, caso a caso, quando assim lhe for exigível, sopesar os elementos de fato e de direito subjacentes ao conflito de interesses, para melhor adequar a sua decisão ao senso de justiça, podendo, inclusive, modular os seus efeitos, do que se tem claro exemplo em nossa Jurisdição Constitucional, quando não raras vezes o E. Supremo Tribunal Federal é chamado a declarar a inconstitucionalidade de uma norma, contudo, sem pronúncia de sua nulidade. 
 Trata-se das chamadas sentenças transitivas ou transacionais, revelando-se como gênero da espécie as sentenças de inconstitucionalidade sem efeito ablativo (sem pronúncia de nulidade). Essa sentença é um reconhecimento de que a norma é inconstitucional, mas que a retirada da norma da ordem jurídica é pior do que a própria norma. Declara-se a inconstitucionalidade da norma, porém ela não é retirada do ordenamento, não é extraída; é uma declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade dos atos englobados pela norma. 
 Ao lado das sentenças de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade se tem exemplo, ainda, das sentenças de inconstitucionalidade com ablação diferida e/ou datada. É a chamada declaração de inconstitucionalidade com efeito pro futuro. 
O fundamento também é a segurança jurídica, postergando- se no tempo o efeito dessa declaração de inconstitucionalidade. Se a norma inconstitucional é nula desde a origem todos seus efeitos são nulos desde a origem; assim, para não haver quebra da segurança jurídica, a norma é declarada inconstitucional, nula desde a sua origem, mas com efeito pro futuro. 
 No caso vertente, a mera declaração de nulidade dos atos registrais referentes ao loteamento Condomínio do Atlântico, bem como das aberturas de matrículas procedidas pelo Ofício Único da Comarca de Armação dos Búzios, decorrentes da alteração do projeto originário do loteamento, certamente colocariam em risco, por razões óbvias, os princípios da segurança jurídica, do fato consumado, do ato jurídico perfeito, da proteção da confiança, bem como da boa-fé entre Administração e administrado, uma vez que foi a própria edilidade, no remoto ano de 1978, que anuiu à alteração do projeto original, com a redução dos espaços livres. 
 Também se revelam inegáveis os graves prejuízos que seriam impostos aos terceiros de boa-fé, que impelidos na aparência de legalidade da alteração do projeto inicial do loteamento, chancelado pelo próprio poder público, contrataram a aquisição de eventuais áreas ora questionadas, não sendo prudente agora e condizente ao mais comezinho senso de justiça, depois de tanto tempo, mais de 30 anos, quando já realizados investimentos, verem-se compelidos à demolição de suas propriedades. 
 Aliás, não é difícil cogitar, por revelar a prática do mercado imobiliário, a existência de múltiplas cadeias sucessórias quanto aos ditos imóveis, o que redundaria na instalação de um grave e caótico quadro social e econômico, com repercussão no ramo do direito civil, diante de um mil números de ações propostas em face dos alienantes pelos terceiros de boa-fé, que se veriam desalijados das áreas questionadas na ACP. 
 Por outro lado, reconheço e sou da vertente que inexiste direito adquirido a poluir ou degradar o meio ambiente. O tempo é incapaz de curar ilegalidades ambientais de natureza permanente, pois parte dos sujeitos tutelados – as gerações futuras – carece de voz e de representantes que falem ou se omitam em seu nome, como já decidiu o STJ, em voto da lavra do Min. Mauro Campbell Marques. 
 Todavia, no caso em tela, diferentemente, não estamos a tratar diretamente de lesão a normas ambientais, como, por exemplo, degradação ambiental ocorrida na faixa da reserva legal, edificações em costões rochosos, etc., quando então a obrigação de recuperar o dano decorreria da própria lei diante da inobservância de suas prescrições, que poderiam ser conhecidas de antemão pelo particular, dada as suas características básicas de generalidade, obrigatoriedade e abstração. 
 Diversamente, a presente Ação Civil Pública tem como pano de fundo a transgressão a normas de direito urbanístico, voltando-se o Parquet contra a alteração do projeto original de loteamento com a redução dos “espaços livres” de natureza pública pelo loteador, defendendo que inscrito o loteamento, sob a vigência do Decreto-Lei 58/37, tornaram-se inalienáveis, a qualquer titulo, as vias de comunicação e os “espaços livres” constantes do memorial e da planta.

Aqui, vale uma pequena pausa, de modo a chamar atenção para o fato de que uma vez aprovado, pelo próprio Poder Público, a alteração do projeto original do loteamento, ainda que com redução dos “espaços livres” pelo loteador, como se exigir do particular um comportamento diverso e punir sua conduta quando agiu amparado na presunção de legalidade dos atos emanados da Administração. 
 A punir a conduta daqueles que agiram em conformidade com os próprios atos da Administração estar-se-ia estimulando um verdadeiro caos na ordem jurídica, e ferindo de morte o princípio da segurança jurídica, colocando em risco o próprio Estado de Direito. 
 Espera-se do homem médio observância às normas legais e administrativas, pelo que gozando os atos da administração pública de presunção de legalidade, uma vez anuindo a própria edilidade à alteração do projeto original do loteamento, não há como se punir o particular que agiu pautado na boa-fé e aparência de legalidade do ato, bem como se lhe exigir conduta diversa na hipótese, não que com isso queira se chancelar a nulidade do ato, mas tão somente se respeitar às situações consolidadas até a prolação deste julgado. 
 A inconsciência do ilícito administrativo, agravado pelo desconhecimento de mera norma interna municipal, aliada ao fato de que o loteamento, prima facie, não ostentava grau visível de irregularidade, não autorizam a punição, como dito acima, do adquirente de boa-fé. 
Ao contrário daquele adquirente que, sabendo ser área de preservação ambiental, como restinga, mata atlântica, espelho d água ou espelho de areia, ou ainda topo de morro e etc compram a área para tentar regularizá-la ou fraudar o seu registro. 
 Também não se pode perder de vista que a presente ação demorou quase 30 anos para ser proposta, caso em que se verifica omissão das instituições e organismos legitimados para propositura das ações coletivas, da qual a ação civil pública é gênero, o que acabou dando azo à consolidação das situações de fato e de direito, sendo agora de todo inviável, pela própria ação e efeitos do tempo, o retorno ao status quo ante, não podendo querer transferir-se esta responsabilidade para o Judiciário. 
 Por fim, no tocante à pretensão demolitória trazida no bojo dos pedidos da ACP, de forma genérica, fazendo mera alusão aos espaços livres das áreas adjacentes aos lotes residenciais, esta parece afrontar o devido processo legal e os princípios do contraditório e da ampla defesa, uma vez compreendida no plano da individualização das situações, pois que a pretensão, em última análise, encontraria como destinatários pessoas que sequer integraram o pólo passivo da presente ação, e, consectariamente, não puderam apresentar suas defesa e assim influenciar, como base em melhores argumentos, numa decisão favorável. 
 Isto é, a ausência de individualização das situações, estratificaria a decisão de modo a tratar diferente os desiguais, ou seja, observada as particularidades e nuances de cada caso. Deste modo, por tudo que antes se expôs, a meu sentir, embora a aprovação das alterações ao projeto original do loteamento, que conferiam nova natureza jurídica aos 595.000 m2 de áreas adjacentes, que deixariam de ser públicas como originalmente reconhecidas, passando a ser tratadas como particulares, bem como as aberturas de matrículas procedidas pelo Ofício Único da Comarca de Armação dos Búzios de lotes individualizados, sejam nulas de pleno direito, entendo que devem ser respeitadas as situações jurídicas já consolidadas até a data da prolação deste julgado, com base no princípio da segurança jurídica e da boa-fé. 

IV - DANO MATERIAL Não vislumbro dano material indenizável. 

V - DANO MORAL COLETIVO O dano moral coletivo deve ser averiguado de acordo com as características próprias aos interesses difusos e coletivos, distanciando-se quanto aos caracteres próprios das pessoas físicas que compõem determinada coletividade ou grupo determinado ou indeterminado de pessoas, sem olvidar que é a confluência dos valores individuais que dão singularidade ao valor coletivo. Isto é, o dano moral coletivo atinge direitos de personalidade do grupo ou coletividade enquanto realidade massificada, que a cada dia mais reclama soluções jurídicas para sua proteção. É evidente que uma coletividade de índios pode sofrer ofensa à honra, à sua dignidade, à sua boa reputação, à sua história, costumes e tradições. Isso não importa exigir que a coletividade sinta a dor, a repulsa, a indignação tal qual fosse um indivíduo isolado. Estas decorrem do sentimento coletivo de participar de determinado grupo ou coletividade, relacionando a própria individualidade à idéia do coletivo. Assim, tanto o dano moral coletivo indivisível (gerado por ofensa aos interesses difusos e coletivos de uma comunidade) como o divisível (gerado por ofensa aos interesses individuais homogêneos) ensejam reparação. Neste sentido, tem-se pronunciado o E. Superior Tribunal de Justiça, conforme se extrai do seguinte precedente, in verbis: ADMINISTRATIVO - TRANSPORTE - PASSE LIVRE - IDOSOS - DANO MORAL COLETIVO - DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA DOR E DE SOFRIMENTO - APLICAÇÃO EXCLUSIVA AO DANO MORAL INDIVIDUAL - CADASTRAMENTO DE IDOSOS PARA USUFRUTO DE DIREITO - ILEGALIDADE DA EXIGÊNCIA PELA EMPRESA DE TRANSPORTE - ART. 39, § 1o DO ESTATUTO DO IDOSO – LEI 10741/2003 VIAÇÃO NÃO PREQUESTIONADO. 
 1. O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-base. 2. O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos. 3. Na espécie, o dano coletivo apontado foi a submissão dos idosos a procedimento de cadastramento para o gozo do benefício do passe livre, cujo deslocamento foi custeado pelos interessados, quando o Estatuto do Idoso, art. 39, § 1o exige apenas a apresentação de documento de identidade. 4. Conduta da empresa de viação injurídica se considerado o sistema normativo. 5. Afastada a sanção pecuniária pelo Tribunal que considerou as circunstancias fáticas e probatória e restando sem prequestionamento o Estatuto do Idoso, mantém-se a decisão. 5. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 1057274 / RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe 26/02/2010) E não poderia ser diferente porque as relações jurídicas caminham para uma massificação e a lesão aos interesses de massa não podem ficar sem reparação, sob pena de criar-se litigiosidade contida que levará ao fracasso do Direito como forma de prevenir e reparar os conflitos sociais. A reparação civil segue em seu processo de evolução iniciado com a negação do direito à reparação do dano moral puro para a previsão de reparação de dano a interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, ao lado do já consagrado direito à reparação pelo dano moral sofrido pelo indivíduo e pela pessoa jurídica (cf. Súmula 227/STJ). Como constata Xisto Tiago de Medeiros Neto: “Dessa maneira, o alargamento da proteção jurídica à esfera moral ou extrapatrimonial dos indivíduos e também aos interesses de dimensão coletiva veio a significar destacado e necessário passo no processo de valorização e tutela dos direitos fundamentais. Tal evolução, sem dúvida, apresentou-se como resposta às modernas e imperativas demandas da cidadania. Ora, desde o último século que a compreensão da dignidade humana tem sido referida a novas e relevantíssimas projeções, concebendo-se o indivíduo em sua integralidade e plenitude, de modo a ensejar um sensível incremento no que tange às perspectivas de sua proteção jurídica no plano individual, e, também, na órbita coletiva. É inegável, pois, o reconhecimento e a expansão de novas esferas de proteção à pessoa humana, diante das realidades e interesses emergentes na sociedade, que são acompanhadas de novas violações de direitos.” (Dano moral coletivo. 2a ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 121). Na espécie, o dano moral coletivo apontado na ACP resta caracterizado pela perda intercorrente e definitiva da qualidade urbanística do bairro da Ferradura, no município de Armação dos Búzios, que será sentido não só pelos seus munícipes, mas por toda a sociedade, diante da dimensão que assume no plano coletivo. Deste modo, condeno o réu Sociedade Civil Condomínio do Atlântico na obrigação de indenizar o dano moral coletivo decorrente da perda intercorrente e definitiva da qualidade urbanística do bairro da Ferradura, no município de Armação dos Búzios, cujo quantum ora fixo em R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), diante da extensão do dano e da gravidade da lesão, a ser revertido em favor do Fundo Federal dos Direitos Difusos, ex vi do art. 13 da Lei 7.347/85. 

VI - DISPOSITIVO Ex positis, VOTO no sentido de conhecer e DAR PARCIAL PROVIMENTO aos recursos, para julgar procedentes, em parte, os pedidos constantes na inicial da ACP, nos seguintes termos: 

 a) declarar nulos os atos registrais referentes ao loteamento Condomínio do Atlântico a seguir identificados: 

a.1) averbação procedida à margem do memorial descritivo do loteamento Condomínio do Atlântico inscrita aos 12.12.1978 na pág. 47 do livro no 8 do 1o Ofício Notarial e Registral de Cabo Frio, no que se refere à alteração da descrição da área correspondente a 595.000,00m2, adjacentes aos lotes residenciais, que transformava em particulares os espaços livres originalmente previstos como áreas públicas, TODAVIA RESPEITADAS AS SITUAÇÕES JURÍDICAS CONSOLIDADAS ATÉ A DATA DA PROLAÇÃO DESTE JULGADO; 
 a.2) aberturas de matrículas procedidas pelo Ofício Único da Comarca de Armação dos Búzios de lotes individualizados, caracterizados e especificados com base nas certidões de constatação e aditamento à aprovação de projeto de loteamento emitidas pela Secretaria Municipal de Finanças de Armação dos Búzios, referente às áreas adjacentes aos lotes residenciais do loteamento Condomínio do Atlântico, TODAVIA RESPEITADAS AS SITUAÇÕES JURÍDICAS CONSOLIDADAS ATÉ A DATA DA PROLAÇÃO DESTE JULGADO; 

 b) anular as certidões de constatação e aditamento à aprovação loteamento emitidas pela Secretaria Municipal de Finanças, referentes às áreas adjacentes aos lotes residenciais do loteamento Condomínio do Atlântico, TODAVIA RESPEITADAS AS SITUAÇÕES JURÍDICAS CONSOLIDADAS ATÉ A DATA DA PROLAÇÃO DESTE JULGADO; 

 c) declarar a natureza pública e consequente incorporação ao patrimônio municipal das áreas adjacentes aos lotes residenciais do loteamento Condomínio do Atlântico, conforme estabelecido em sua aprovação original, TODAVIA RESPEITADAS AS SITUAÇÕES JURÍDICAS CONSOLIDADAS ATÉ A DATA DA PROLAÇÃO DESTE JULGADO; 

 d) condenar o réu Sociedade Simples Condomínio do Atlântico e o Município de Armação de Búzios, como colorário do presente decisum, na obrigação de não fazer consistente na abstenção de alienação, construção ou qualquer outra intervenção nas áreas adjacentes aos lotes residenciais do loteamento Condomínio do Atlântico, A PARTIR DA PROLAÇÃO DESTE JULGADO; 
 d.1) Para a hipótese de descumprimento do disposto no item “d” fixo multa diária no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), a ser arcada solidariamente pelos réus. 

 e) a condenação do réu Sociedade Civil Condomínio do Atlântico na obrigação de indenizar os danos morais decorrentes da perda intercorrente e definitiva da qualidade urbanística do bairro da Ferradura, no município de Armação dos Búzios, a ser revertida em favor do Fundo Federal dos Direitos Difusos, que ora fixo no valor de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), ex vi do art. 13 da Lei 7.347/85.

Rio de Janeiro, 22 de agosto de 2012. 
Desembargador MARCELO LIMA BUHATEM Relator